Qual a importância, para o Brasil, dos vírus, bactérias, fungos, micobactérias e helmintos encontrados da Antártica? Vírus, bactérias e fungos são grandes conhecidos da população em geral, mas por que a Fiocruz vai procurar por eles tão longe? E helmintos, micobactérias e líquens, as pessoas sabem o que são?
Vírus

Os vírus influenza, conhecidos por vírus da gripe, por exemplo, têm grande importância para a saúde pública, sendo responsáveis pela morte de cerca de 600 mil pessoas por ano em todo o mundo. As pandemias de vírus da gripe que aconteceram até hoje foram provocadas por amostras de vírus influenza rearranjadas, ou seja, novos vírus que surgiram a partir de um rearranjo genético e que carregam tanto uma parte dos vírus que atingem apenas aves e mamíferos, como parte dos vírus que atingem apenas os seres humanos.
No ambiente antártico, a convivência entre diferentes espécies de animais, inclusive o homem, cria um ambiente favorável para o surgimento de novos vírus, devido a possíveis coinfecções entre os vírus encontrados em diferentes espécies de aves e outros animais. Por isso, os pesquisadores da Fiocruz irão coletar amostras desses vírus em fezes de aves e de outros animais e, com isso, será possível classificar a diversidade desses vírus naquele ambiente, identificar amostras que já tenham sofrido esses rearranjos genéticos, a introdução de vírus influenza humanos na Antártica, bem como vírus que tenham potencial de dispersão em outros continentes próximos, na população humana ou em rebanhos de aves ou suínos.
Bactérias e micobactérias

Assim como os vírus, as bactérias também são capazes de sobreviver em condições extremas e temperaturas muito baixas. Regiões da Sibéria, consideradas as mais frias da Rússia, já vem sofrendo surtos recorrentes de antraz em animais e humanos, uma doença grave causada pela bactéria Bacillus anthracis que pode levar à morte em poucos dias. Estudiosos indicam que esses surtos estariam ligados ao descongelamento do permafrost e à exposição de solos contaminados, antes inacessíveis. Além da possibilidade de investigar a existência dessa e de outras bactérias prejudicais aos seres humanos na Antártica, pesquisadores da Fiocruz poderão avaliar se as aves migratórias da região poderiam estar carregando essas bactérias para outros continentes.
Também é conhecido que nem todas as bactérias fazem mal à saúde humana e que algumas delas podem, inclusive, beneficiar o ambiente. É o caso de algumas espécies de micobactérias, um gênero específico de bactérias que têm uma capacidade biorremediadora. Elas utilizam os elementos contaminantes dos solos ou da água, a exemplo do carbono, como fonte de energia, servindo como descontaminantes químicos naturais e reduzindo o impacto ambiental por poluentes. A busca por espécies de micobactérias na Antártica trará, portanto, um conhecimento maior sobre a capacidade biorremediadora neste ambiente, possibilitará identificar prováveis novas espécies e apontar também para alguns riscos relativos à presença de espécies nocivas à saúde humana.
Helmintos

Outro aspecto importante para a pesquisa será entender melhor o ambiente Antártico e as mudanças pelas quais ele vem passando e que poderiam afetar o clima do Brasil e, consequentemente, a saúde humana. Para isso, novamente os especialistas terão que recorrer às fezes e carcaças de aves e animais vertebrados para identificar a presença de helmintos, também chamados de vermes parasitas. Por meio do estudo desses parasitas, identificar possíveis alterações das relações hospedeiro-parasito, novos contatos entre espécies, as alterações de dieta e as adaptações sofridas pelos animais às mudanças e aos impactos ambientais e climáticos.
Fungos

Já para o estudo de fungos, o objetivo será encontrar aqueles que podem causar o que os pesquisadores chamam de micoses sistêmicas e oportunistas invasivas, que vem sendo consideradas uma ameaça à vida humana ao longo das últimas três décadas. Normalmente, associa-se fungos a ambientes quentes e úmidos, como os de clima tropicais. No entanto, uma epidemia ocorrida em 1999, no Canadá, de criptococose por um fungo que pensava-se estar restrito a regiões tropicais, e a descoberta de um outro fungo na cidade de Washington, nos Estados Unidos, em 2015, que até então só havia sido encontrado em regiões desérticas, demonstra a capacidade que esses organismos têm de se adaptar, sobreviver e causar doenças em novos ambientes, possivelmente estimulados pelas mudanças climáticas em todo o mundo.
O continente antártico ainda é uma região pouco estudada, principalmente em relação aos fungos causadores de micoses endêmicas do Brasil de grande importância para a saúde pública, como a histoplasmose, criptococose, coccidioidomicose e a paracoccidioidomicose. Assim como no caso das bactérias, nem todos os fungos fazem mal à saúde. Os líquens ou também chamados de fungos liquenizados são marcadores de ambientes limpos e sem poluição.
Líquens

Coloridos e com diversas formas, os líquens se formam pela união entre algas e fungos e podem ser encontrados em rochas, árvores e florestas, geleiras, desertos, folhas e muros. Como eles são extremamente sensíveis a alterações ambientais, não sobrevivem em locais com altos índices de poluição ou radiação. Portanto, enquanto a presença desses organismos indica baixo índice de poluição, o seu desaparecimento sugere um agravamento do impacto ambiental. Além de importante marcador de biodiversidade e mudanças climáticas na Antártica, o estudo de líquens e sua resistência à radiação ultravioleta e extremos de temperatura e umidade podem produzir conhecimento de compostos com potencial para o desenvolvimento de novas tecnologias.